Criamos um lar só nosso, que continha apenas dois cômodos: um vermelho e um confusamente imenso. No vermelho cultivamos flores: as que eu gostava, as que você gostava - mas insistia em não aprender os nomes-, e aquelas que nenhum de nós sabia como foi para lá, mas amávamos-las igualmente. Quando ficava muito pequeno, pulávamos para o cômodo superior, onde havia espaço até demais então aproveitávamos para colar fotos em cada local; fotos que eu repassava, loucamente, quando você não estava por perto, sempre houve uma sensação de conforto quando elas estavam a minha volta.
Porém flores vieram e foram, até que cultivá-las não fosse mais possível, talvez a culpa fosse minha de ter cansado de mantê-las ou fosse sua por ter insistido sempre nas mesmas. Ou talvez tenha sido a imensidão sempre com as mesmas fotos, até que estas ficassem desgastadas e sem cor, e observá-las cessasse de ser meu hobby.
Você não concordou, disse que não entendia o por que desse meu desânimo repentino e dessa impaciência no meu rosto. Talvez sua cegueira estivesse plena e não houvesse como você notar como as flores morriam trazendo um cheiro mórbido por tudo aquilo que era meu viver. Não se vive na morbidez, não há como reviver o que já havia sido enterrado. Mas você olhou para mim e em sua voz trêmula comentou como você não continha lar a não ser meu coração e como viveria sem razão se não tivesse minha mão contra a sua e sua respiração acompanhando a minha.
Desde então reformei minha casa, as paredes continuam vermelhas e aqui e ali cai de aparecer uma flor desconhecida, mas agora crio pássaros e posso lhe dizer que eles são imensamente lindos. O cômodo de cima continua cercado de fotos, não nossas mas de outros - mas confesso que coloco alguma selfie de vez em quando. Ainda não me acostumei em ter tudo para mim, por isso de vez em quando convido alguém, mas eles não ficam pois essa não é casa deles, é minha e era nossa.